Descrição
Notas sobre a fome
Existem livros que são necessários. E este é um desses casos indiscutíveis. É necessário que Notas sobre a fome seja publicado, e é coerente que o editorial Sarau do Binho o tenha tornado possível, essa voz que dá espaço a contra-discursos de consenso e que permite o encontro das pessoas com seus sonhos. Helena Silvestre, como mulher, como ativista, como uma favelada, como indígena e como negra, tinha que levantar a voz com este livro, pelos seus, pelos outros, por nosotras. Tinha de irromper na língua dos letrados para evidenciar os seus silêncios violentos, armando a base de um feminismo não-branco um “feminismo inominável”, como ela o chama, de um marxismo favelado, de uma cosmopolítica das particularidades e de uma genealogia da fome, não pensada à partir dos conceitos, mas sim da dor no estômago, da raiva, da febre e, principalmente, à partir dos sonhos. É através da história de sua vida que a autora consegue montar esta máquina pensamentos, mas não tomando a palavra desde uma narrativa genealógica e íntima, como costumam fazer LXS letradxs e bem alimentadxs pensadorxs, mas sim por meio de um relato corporal que parte da ira da fome e transita pelo incompreensível, a magia, as lágrimas, a vergonha, o amor, a tristeza, a vida e a morte, o animal, o vegetal, as leituras, as escutas, o tempo. Se vão armando assim conceitos vivos que dialogam com uma atualizada teoria social que se revela branca e universalizante, e, paralelamente, nos vai apresentando a história de uma menina que se tornou adulta muito cedo, quando aos 16 anos, em meio à década de 90 , lançou-se sozinha na megalópole de São Paulo deixando sua casa, sua favela, seu bairro, ou talvez antes, quando a descobriram lambuzando-se com uma sobremesa que não podia comprar no canto de um supermercado. A história de uma mulher favelada e afro-indígena que foi se descobrindo como tal através de sua militância, através das ocupações de terra, através do contato com outras mulheres e homens, pobres, como ela, ou burgueses também e, finalmente, através da escrita. Jogando com a linguagem por meio do ritmo, da poesia, da feitiçaria, dos sonhos, descolonizando a maneira de narrar e teorizar, Helena Silvestre consegue mostrar algum caminho para a emancipação e anticapitalismo.
Lucía Tennina – Amante de histórias e viagens, mãe, amiga, professora de Literatura Brasileira na Universidade de Buenos Aires e tradutora. Pesquisa, como crítica literária e como antropóloga, as produções literárias das periferias de São Paulo.
Sobre a autora | Helena Silvestre
Cafuza nascida e criada nas aldeias e quilombos da região metropolitana de São Paulo, tendo Mauá – essa Macondo – como local oficial de seu nascimento, embora não se lembre muito bem.
Militante, é ativista das lutas pela libertação de povos, corpos e territórios submetidos à lógica do dinheiro que infesta nossas esquinas.
Feminista afroindígena, é editora da Revista Amazonas e parte do movimento Luta Popular.
Escreve, compõe, canta, dança, fuma e fala mais do que deve.
Às vezes, se aluga para sonhar.
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