O ano de 1500 marca o encontro dos povos de Abya Yala e Pindorama com a lógica colonizadora que generalizou, com violência brutal, o patriarcado ocidental, o racismo, o modelo capitalista de exploração e o pensamento ocidental como pensamento hegemônico. Mais que cinco séculos depois, as mazelas fundacionais foram sofisticadas e o sofrimento dos povos excluídos daquilo que se convencionou “humanidade” se amplia e se aprofunda. Toda a vida – humana e não humana – agoniza diante de crises periódicas que não são apenas crises econômicas: crises políticas, crises sanitárias, crise ética, crise epistemológica.

Na base do racismo que constitui o ato colonizador está a desumanização dos povos colonizados mas a lógica colonial se reproduz também internamente às fronteiras nacionais e as mulheres têm sido dilaceradas também com a desumanização, assim como a vida não humana tem sido subalternizada, expropriada e destruída.

Do ponto de vista urbano, a lógica colonial se apresenta de muitas maneiras, seja na produção das cidades a partir do saque de bens comuns que obrigaram populações inteiras – violentamente desterradas – a entregar-se ao sub assalariamento depois de vagarem em diásporas, seja nas relações extrativistas brutais que os centros realizam com as periferias (aqui não apenas como referência geográfica).

O movimento feminista rompeu com a névoa confusa e visibilizou a luta mais essencial que deveria estar no cerne de todas as lutas: a defesa incondicional da vida, humana e não humana ante a sanha do capital patriarcado. 

Essa ruptura permitiu rever as lutas por direitos, as lutas por reconhecimento, as lutas por reparação histórica, as lutas por visibilidade como lutas em si pelo direito à existência de pessoas, ecologias, comunidades e modos de vida subalternizados há cinco séculos. 

Entre as muitas resistências, a Editora Popular TXAI, tem a pretensão de aportar com sua modesta colaboração no rumo de uma maior democracia epistemológica, uma vez que os distintos modos de viver resistentes engendram também distintos modos de pensar historicamente invalidados pelo pensamento ocidental.

É este pensamento, vivo nas lutas, existências e resistências que desejamos difundir, amplificar, ecoar. Ninguém dá voz a ninguém. Tudo o que vive se comunica e não é apenas a palavra escrita que reconhecemos como saber, ciência e filosofia. Mas no interior de uma sociedade logocêntrica compreendemos a necessidade de que aqueles e aquelas que elaboram à margem do que é reconhecido possam expressar-se também no terreno da escrita.

É com o desejo de fortalecer tal diversidade, com a perspectiva de posicionar uma ferramenta a mais à disposição da vida subalternizada no sentido da disputa pelo nosso reconhecimento como sujeitos epistêmicos que inauguramos este esforço coletivo materializado em livros, conspirações e planos de voo. 

Um de nossos princípios, além de tudo o que decorre do que foi dito até aqui, é que todas as publicações sejam sempre a preços populares permitindo a quem tem poucos recursos alcançar a riqueza de nossas comunidades.  

Helena Silvestre

Editora